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Bola perdida.
“Não dá para tapar o sol do sofrimento com a peneira da felicidade”
Meus obstinadíssimos leitores, salvo um daqueles solavancos do destino que, entre muitos acontecimentos, já provocou o desaparecimento de uma Atlândida ou fez cair o avião de meia seleção italiana, tem Atletiba pintando domingo.
Como previ, desde o começo do campeonato, deu coxa disputando vaga na Libertadores e Atlético no poço das almas. Então a coluna de hoje que antecede a realização do jogo do final de semana, se é que esta semana vai acabar, servirá para exorcizar velhos fantasmas que trago no sótão de minha pobre alma futebolística. Mas, catástrofes à parte, dou como certo o pega dos dois velhos rivais para mais um tira-teima, daqueles de fazer coronárias alviverdes e rubronegras pedirem carona para a eternidade.
O Atlético, campeão brasileiro das séries A e B, depois de algumas tentativas de levantar inenarráveis canecos, acabou na Baixada. E como só lhe resta a vitória como alternativa para continuar na série A – isso se o Cruzeiro ou o Ceará não o colocarem a nocaute em pleno Atletiba – com toda a certeza, virá, soltando fogo pelas ventas, querendo fazer valer a vantagem de disputar o último jogo em casa. Fato que lhe dá um certo favoritismo, mas que pode também ser mais uma armadilha armada pelo destino da bola, principalmente se avaliarmos o futebol apresentado em sua última partida. Levou um banho de bola do América Mineiro e só não foi rebaixado por ironia do destino, que deu sobrevida ao Ceará, ao Cruzeiro e ao próprio Atlético.
O Coritiba, pela tradição da camisa – também campeão brasileiro das séries A e duas vezes da B, tem ainda em seu cartel de títulos o Torneio do Povo e incontáveis outros do campeonato paranaense – sempre cresce em decisões e, por tradição, se torna um inimigo mortal no Alto da Glória e um rival poderoso na Baixada.
Nelson Rodrigues, certa feita, me sussurrou ao pé do ouvido: “no futebol quem ganha ou perde as partidas é a alma”, ao que acrescentei: “mas quem empata é o espírito de porco”. Rimos, como duas grandes almas puras e, sob a luz das estrelas, mais emocionados que mãe de padre em dia de primeira missa, fomos um para cada lado do gramado do Maracanã.
Às torcidas sempre cabe o grande e oscilante espetáculo: a louca alegria , o penoso sofrimento, a catarse do drama, o coração querendo saltar pela boca cheia de dentes. A euforia de uma é sempre a desgraça da outra. Mas isso não tem importância, o que eu quero mesmo dizer é que essa decisão é totalmente igual às que Atlético e Coritiba têm enfrentado desde que surgiram. Mas nada de desespero, coxas; ou de euforia, atleticanos. Depois de uma Tragédia do Sarriá sempre tem uma Curva do Tamborello. A verdade é que, num Atletiba, o Imponderável é um verdadeiro Pelé em campo. Explico melhor: quando joga o Imponderável até santo de barro apressa o andor e faz milagre.
O meu velho e bom amigo Torcedor Prado Wojcechowski – esse é verdadeiro nome de um tio meu – o único deste mundo que não tem time (gosta de futebol e torce pelo bom espetáculo), sabendo que eu ia escrever esta coluna, como sempre faz, foi ao terreiro do Véio Chico Fantasma pegar a mensagem mediúnica do Machado de Assis. Como eu não estava em casa, além da mensagem do mestre, me deixou um recado, que transcrevo aqui, na íntegra:
“Dalton, todo time tem seu perna de pau de estimação, aquele que, para defender as cores do seu time, é capaz de morrer estrebuchando em campo e ainda pedir pra voltar. Porém, só os torcedores dos times adversários notam a má qualidade da madeira. Me diga, são os pernas-de-pau que vão decidir o Atletiba, pegando um rebote depois de um sururu e errando o chute para colocar no ângulo sem querer? Deus nos livre e guarde!”
Amém! Digo em voz baixa pra nem eu ouvir. Já vi muitas coisas estranhas durante um Atletiba, só não vi falta de garra, valentia, luta. Jogador deste clássico tem mais fôlego e força que um Sansão, antes da Dalila descabelar o palhaço. Mas agora me dêem licença
que vou atender ao telefone.
– Alô.
– E daí?
– Ô, Carneiro Neto, grande prazer.
– Você já escalou o imponderável para o próximo domingo?
– Claro, né?
– É, imaginei, mas ele não joga sozinho…(pausa)
– … (eu engulo em seco 3 ou 4 recôncavos bahianos).
– Ele tem ao seu lado o Coutinho para tabelar, aliás, Coutinho é apelido, o nome verdadeiro é Detalhe. E aqui chego aonde queria: à escalação do Imponderável ao lado do Detalhe, pelo Grande Técnico. Entendeu, cara?
Desligou, antes de eu acabar de pigarrear. O que fazer? O Carneiro Neto e o Torcedor Prado Wojciechowski são peças raras. Mais esquisitos que dissidentes russos, presos na Sibéria, lamentando e batendo a cabeça, aos gritos desesperados, ao receberem a notícia da morte de Stalin, que os havia praticamente desossado, para usar ossos como dormentes num projeto de estrada mais fajuto que a Transamazônica. Mas, como sempre fazem, me deixam a pensar com os meu botões de futebol de mesa. Estarão lá, os dois? Imponderável e Detalhe, Pelé e Coutinho. Jogando pra quem? Pego a mensagem do Machado de Assis em seus garranchos elegantes e, com a alma sofrendo os fortes abalos peristálticos que sofrem os elefantes, leio:
“o melhor sempre ganha, a menos que acabe perdendo a partida pra si mesmo”.
Vencerá a heróica e sofrida recuperação coxa-branca (uma força da natureza) ou a plácida e auto-elogiada formação rubro-negra (produto da moderna economia globalizada)?
Um amigo, por e-mail, me mandou um arrazoado pra lá de razoável. Confiram:
“Um clássico como Atletiba tem mais de sobrenatural dos santos do que de realidade da silva, tudo ou nada pode acontecer. Dalton, do alto da glória dos meus muitos anos de Atletiba, cheguei a algumas verdades definitivas sobre o clássico:
1. Nem sempre o que está melhor vence.
2. Jogar em casa representa vantagem mínima, já que não é incomum aparecer um Cavalo de Tróia dentro do gramado.
3. O resultado dos jogos é questão de detalhe, principalmente, quando alguém é goleado.
4. Existe uma metamorfose plena e total em certos jogadores, assomam-se-lhes características de craque, personalidade de gênio e intuição divina. Ou exatamente o contrário disso, o cara vira mosca morta e só serve mesmo pra ter chilique e ser expulso. 5. No dia do jogo, Curitiba vai a 10 graus na escala Richter.
Pense nisso com carinho. Grande abraço, do Maringas.”
Não dá pra não concordar. No entanto, o Edílson Del Grossi, acha que não e me diz no Messenger que o Atlético fica na Série A. O Roberto Prado, ao saber disso, vem a pé até aqui em casa e me diz, completamente transtornado: “O Edílson, tá louco! Doidinho de pedra! O cara perdeu o senso num boteco qualquer lá de São Paulo. Será que ele já esqueceu da torcida que nunca abandona? Aquela que transformou o Renê Simões em ser humano? E, mais do que isso, em técnico de futebol?”
Responda você, leitor, ou cale-se para sempre. Como eu me calo e sei onde me aperta.Mas, por favor, poupem-me, porque depois do tremor da semana passada (5,2 na escala Richter) eu já me sinto um habitante de Pompéia esperando um Vesúvio me soterrar completamente.
E, o que é pior, eu totalmente fora de mim.
Até mais.
Dalton Machado Rodrigues.
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